terça-feira, 11 de novembro de 2008

Esmé - Parte I

por Saki (Hector Hugh Monroe)

-Todas as histórias de caça são iguais - disse Clovis. - E todas as histórias de corridas de cavalos também são iguais, e todas as. - A minha história de caça não se parece em nada com qualquer outra que tenha ouvido - disse a Baronesa. - Passou-se já há bastante tempo, tinha eu vinte e três anos. Nessa altura não estava separada do meu marido; está a ver, nenhum de nós se podia dar ao luxo de pagar ao outro uma pensão. Digam o que disserem os provérbios, são mais os lares que a pobreza mantém unidos do que aqueles que destrói. Mas caçávamos sempre com matilhas diferentes. Nada disto tem a ver com a história. - Ainda não chegámos ao ponto da concentração. Suponho que houve uma concentração dos caçadores - disse Clovis. - Claro que houve uma concentração - disse a Baronesa. - Estava lá toda a gente do costume, e em particular Constance Broddle. Constance é uma daquelas raparigaças de boas cores que combinam às mil maravilhas com um cenário de Outono ou com as decorações de Natal na igreja. "Pressinto que está para acontecer alguma coisa horrível", disse-me ela, "Estou pálida?" Estava tão pálida como uma beterraba que tivesse recebido más notícias de repente. "Está mais bonita do que o normal", disse eu, "mas isso para si é tão fácil." Antes de ela ter atingido o exacto alcance do comentário, já começara a função; os cães tinham descoberto uma raposa escondida no meio de umas giestas. - Eu já sabia - disse Clovis. - Em todas as histórias de caça à raposa que ouvi havia sempre uma raposa e moitas de giesta. - Constance e eu tínhamos belas montadas - continuou a Baronesa serenamente - e não tivemos dificuldade em nos mantermos na primeira leva, embora fosse uma corrida bastante puxada. Mas lá para o fim devemos ter seguido um caminho um pouco independente, porque nos perdemos dos cães, e vimo-nos a andar à toa aos tropeções a milhas de qualquer sítio. Era uma coisa exasperante, e a minha boa disposição começava a ceder aos poucos, quando ao abrir caminho por uma sebe complacente deparámos com o alegre espectáculo dos cães em grande berraria num valado mais abaixo. "Lá vão eles - gritou Constance, e acrescentou num sobressalto: - Mas que diabo de caça será aquela?" Não era, de certeza, nenhuma raposa deste mundo. Tinha o dobro do tamanho, tinha uma cabeça curta e feia, e um pescoço grosso enorme. "É uma hiena - gritei. - Deve ter fugido do Parque de Lord Pabham." Nesse momento o bicho perseguido virou-se e enfrentou os perseguidores, e os cães (eram só uns seis pares) ficaram em semicírculo e com um ar aparvalhado. Era evidente que se tinham separado do resto da matilha na pista daquele cheiro estranho, e não estavam muito certos de como lidar com a presa agora que a tinham apanhado. A hiena saudou a nossa chegada com inequívoco alívio e manifestações de amizade. Provavelmente estava habituada a uma invariável amabilidade por parte dos humanos, ao passo que a primeira experiência com cães lhe deixara uma má impressão. Os cães pareciam mais embaraçados do que nunca enquanto a presa exibia a sua súbita intimidade connosco, e o ténue ressoar de uma trompa ao longe foi tomado como o desejado sinal para uma partida discreta. Constance, eu e a hiena ficámos sós no crepúsculo que descia. "Que vamos fazer?", perguntou Constance. "Não há como você para fazer perguntas", disse eu. "Bem, não podemos ficar aqui a noite toda com uma hiena", replicou ela. "Não sei qual é a sua ideia de conforto," disse eu, "mas não tenciono passar aqui a noite toda, mesmo sem uma hiena. Pode não ser um lar feliz, o meu, mas pelo menos tem água quente e fria, e serviço doméstico, e outras comodidades que não encontraríamos aqui. O melhor que temos a fazer é seguir para aquele renque de árvores à direita; tenho a impressão de que a estrada de Crowley fica logo a seguir." Trotámos devagar seguindo o trilho apagado de uma carroça, com o bicho seguindo alegremente atrás de nós. "Que raio havemos de fazer com a hiena", veio a pergunta inevitável. "Que é que se costuma fazer com as hienas?", perguntei mal-humorada. "Nunca tive nada a ver com nenhuma até agora", disse Constance. "Bem, eu também não. Se ao menos soubéssemos de que sexo é podíamos pôr-lhe um nome. Talvez lhe pudéssemos chamar Esmé. Dá para as duas hipóteses. Ainda havia luz suficiente para distinguirmos as coisas à beira do caminho, e a nossa atenção entorpecida teve um sobressalto de alerta quando deparámos com um miúdo cigano seminu que andava a apanhar amoras numas moitas rasteiras. A súbita aparição de duas amazonas e uma hiena puseram-no em fuga aos berros, mas seja como for dificilmente poderíamos obter qualquer informação geográfica útil de tal fonte; mas havia uma probabilidade de virmos a encontrar um acampamento de ciganos pelo caminho. Esperançadas, seguimos caminho, mas sem que nada acontecesse por mais quilómetro e meio uma milha ou coisa assim.

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