terça-feira, 23 de setembro de 2008

Manoel de Oliveira

O cineasta mais idoso ainda no activo comemora este ano um centenário de existência e o Museu de Serralves decidiu homenagea-lo. Já começou a 12 de Julho, mas vai decorrer até 2 de Novembro, a primeira mostra do trabalho do realizador.

Comissariado: João Bénard da Costa / João Fernandes
Produção: Fundação de Serralves

VISITAS GUIADAS
> 24 JUL (Qui), 18h30, por João Bénard da Costa e João Fernandes
> 09 SET (Ter), 18h30, por João Fernandes
> 25 SET (Qui), 18h30, por Eduardo Paz Barroso
> 05 OUT (Dom), 18h30, por Luís Miguel Cintra
> 14 OUT (Ter), 18h30, por António Preto

> Visitas aos Sábados às 17h00 e aos Domingos às 12h00, pela equipa do Serviço Educativo.
> Visitas diárias, mediante marcação prévia.

De 18 de Setembro a 9 de Novembro vão ser exibidos no auditório todas as curtas e longas de Oliveira, para ver e rever, acompanhadas de outras grandes obras do cinema mundial, de Hitchcock a Chaplin, Buñuel, Vigo ou Dreyer.

De 7 a 10 de Outubro, entre as 18:30 e as 21:00, vai decorrer um seminário coordenado por António Preto, mestre em Teorias da Arte na FBAUL, intitulado "Manoel de Oliveira: Moderno Paradoxal". O seminário, "propõe uma revisão crítica do cinema de Manoel de Oliveira, procurando analisar os mais importantes elementos formais, conceptuais e temáticos que estruturam a sua obra, fazendo emergir, por um lado, algumas das configurações mais características da estética do autor e evidenciando, por outro, o modo como a sua produção cinematográfica dialoga com o contexto histórico em que intervém".

Ainda sem data marcada vai haver um simpósio internacional dedicado à sua obra.

A sua actriz de eleição, Leonor Silveira, no clássico Vale Abraão

Como complemento, sobre a exposição, deixo aqui o artigo da Sílvia Guerra, do Artecapital:
Sagração e sacrifício
Existe o tempo e as palavras que repetidas nos interpelam para a vida na obra cinematográfica de Manoel de Oliveira. O Tempo no seu sentido de início do mundo, o in illo tempore, materializado em àrvores seculares como a do belíssimo plano longo de Non, ou a Vã Glória de Mandar (1990), ou as àrvores do Maranhão e da Baía, em Palavra e Utopia (2000). É o tempo que traz um cheiro a terra e a calor, sonho português em África ou no Brasil. Depois existe o tempo do sacrifício na imagem do eterno retorno de D. Sebastião, mão que sangra contra a lâmina da sua espada, voluntariamente, num acto de sagração (Non, ou a Vã Glória... ). Esta imagem retrata séculos de masoquismo nacional e fixa-se na memória, e continuo a acreditar que é no inconsciente individual e colectivo que o cinema vive e cria a(s) nossa(s) história(s).
As palavras podem ser:
- A mão!
- A caixa!
- Acudam!

Vocábulos simples que servem para nos reconduzir à vida dentro e fora do seu universo ficcional, num mundo falado.

Este autor que percorreu o século do cinema permanece ainda hoje como o amado e mal-amado do público português, basta verificar os tempos curtos de exibição dos seus filmes nas salas nacionais. Conhecido pelos tempos longos do seu cinema, é no Porto, sua terra natal que encontramos a primeira celebração do seu centenário, comemorado este ano com a exposição que lhe é dedicada no Museu de Serralves. Curada em parceria por João Fernandes e João Bénard da Costa (Director da Cinemateca Portuguesa e também actor nos filmes de Oliveira), esta exposição visa “levar a conhecer a todos os públicos a obra cinematográfica de Manoel de Oliveira”. A promessa é ambiciosa e esta é a primeira vez que uma instituição museológica portuguesa se confronta com um património cinematográfico de um autor vivo, com uma produção cinematográfica de mais de 40 filmes.

Assisti à apresentação para a imprensa da exposição onde estão presentes o cineasta e os dois comissários e constatei a lucidez e o humor caústico do autor nas respostas aos jornalistas.
“P - Como é a sua relação com a morte?
M.O. – Ainda não experimentei.”

Este é o Porto da sua infância e é difícil que seja pequena a nossa expectativa. A visita é guiada por João Fernandes, Director do Museu de Serralves, que salienta não se tratar de uma mostra documental da carreira de Oliveira mas de uma escolha de excertos de filmes que convidam o público a ver os mesmos. Na sala frontal de entrada nas exposições do Museu apresenta-se Douro, faina fluvial (1931), o único filme apresentado na íntegra, numa montagem feita em 1994 com a banda sonora “Litanie du feu et de la mer” de Emanuel Nunes. Nas nossas costas exibem-se, em duas projecções de dimensões mais pequenas, Berlim, Sinfonia de uma cidade (1927) de Walther Ruthmann e O homem da câmara de filmar de Dziga Vertov (1929).

Esta sala serviria por si só como uma homenagem a um século de cinema pelas mãos de três dos seus pioneiros. A exposição prossegue com uma galeria de retratos dos homens, mulheres e crianças que, sem terem sido actores, viveram as histórias de Manoel de Oliveira, interpretando alguns dos seus filmes; este é um dos aspectos realçados nesta escolha curatorial, a ficção dentro do real ou a relação entre o documentário e a ficção.

Esta é também uma das questões que tem sido debatida desde há mais de 50 anos no mundo da crítica cinematográfica mas que assume inesperadamente uma urgência no mundo da crítica de arte contemporânea, glosada por Jacques Rancière na Artforum Magazine americana ou por Mark Nash em “Reality in the age of aesthetics”, publicado na revista inglesa Frieze. O motivo deste súbito interesse deve-se talvez ao facto de neste momento a videoarte cruzar esta fronteira, em filmes como Gravesend ( 2007) de Steve McQueen. O cinema teve que ultrapassar o simplismo desta dicotomia antes da videoarte e esta irá seguramente encontrar outras formas de resposta à questão.

São mostrados excertos de Famalicão (1939), O Pintor e a Cidade (1956), O Pão (1959) e A Caça (1963) com os seus dois finais, o censurado e o aprovado pelo regime de Salazar. A direcção de actores de Manoel de Oliveira pode ser livre, como ele declara, dizendo que deixa os seus actores viver e não representar os seus personagens, mas a sua découpage retém apenas o que a sua narração ficcional determinou. Faltaria uma galeria paralela com os retratos dos actores que permanecem ligados indissoluvelmente ao universo de Oliveira como: Luís Miguel Cintra, Diogo Dória, Miguel Guilherme, Leonor Silveira, Beatriz Batarda entre tantos outros, só para referir os do panteão nacional.

A relação de Oliveira com a pintura, a literatura e o teatro é outro dos aspectos evidenciados nesta exposição, e são mostrados extractos de Acto da Primavera (1963), Benilde, ou a Virgem-Mãe (1975), Passado e Presente (1972). A variedade de registos linguísticos e artísticos foi sempre explorada pelo cineasta. O filme mais popular e talvez o único que tenha chegado a todas as gerações de portugueses, pertencentes a todos os níveis culturais, Aniki Bóbó (1942), é a chave que abre o corredor esquerdo do Museu. O filme é apresentado em duas projecções diferentes (com extractos emblemáticos) e num ângulo do espaço encontra-se uma réplica da boneca da Teresinha do mesmo filme. Nesta parte da exposição o dispositivo sonoro dos diversos ecrãs e projecções simultâneas é explosivo embora não se sinta o silêncio conseguido com as novas colunas de som, tipo tapete voador, que restringem o som a uma pequena área sobre a cabeça dos visitantes. Os filmes começam a ser disparados em diversos ecrãs e descendo a rampa deparamos com alguns curiosos engenhos de cenegrafia de exposição como o olho-óculo que nos permite ver à semelhança de um buraco de fechadura cenas de Amor de Perdição (1979).

Ao fundo deste corredor os Canibais (1988) assombra-nos numa projecção gigante. Surgem depois as cabanas de projecção numa estrutura cenográfica em madeira onde podemos ver alguns excertos de filmes reagrupados de novo por diversas temáticas. A exposição termina neste andar do Museu não prosseguindo como eu esperava no andar inferior. Mas resta salientar que será apresentado um ciclo com todos os filmes deste autor no auditório do Museu durante o mês de Setembro.

Manoel de Oliveira não é um cineasta nacional-nacionalista pois a sua relação de amor com o cinema e seus realizadores foi sempre aberta e internacional. Os seus guerreiros de “Non, ou a Vã Glória...” namoram os de Ran (1985) de Kurosawa, a sua Belle Toujours (2006) não desmistifica, antes pelo contrário adensa de contradições a teia de Buñuel, a sua Ema em Vale Abraão descobre os prazeres primordiais numa nascente literária partilhada por Balzac e Agustina Bessa-Luís. Manoel de Oliveira personifica no seu cinema o espírito europeu (basta ver a utopia do seu Filme Falado) que dificilmente é atingido de uma forma tão natural e democrática na política ou na sociedade.

Este autor que nunca fez filmes declaradamente políticos exprimiu a liberdade democrática em toda a sua obra, abordando como nenhum outro cineasta português a temática deste país como uma construção linguística, cultural e política desde o tempo das Descobertas (em termos muito diferentes de Teixeira de Pascoais, na Arte de ser português). Ver O Quinto Império- Ontem como hoje (2004) é um exercício cívico para qualquer português, uma necessidade política, mais profícua do que assistir a um debate de campanha eleitoral. Mas permanece um mistério difícil de desvendar na sua obra cinematográfica. O seu cinema é difícil de ser apreendido pois é sempre uma surpresa ouvir uma Ave Maria de Schubert tocada em guitarra portuguesa numa tasca em Alfama.

Um comentário:

Anônimo disse...

é assim mm master gosto do que leio!! abraco