quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Guts - III

O que me deu problemas, eu chamava-lhe Mergulho às Pérolas. Isto quer dizer tocar uma debaixo de água, sentado no fundo da piscina dos meus pais. Com uma grande golfada de ar eu nadava até ao fundo e tirava os meus calções de banho. Sentava-me lá em baixo durante dois, três, quatro minutos.
Só de me masturbar tinha uma capacidade pulmonar enorme. Se tivesse a casa só para mim faria isto a tarde toda. Após finalmente expulsar a minha matéria, o meu esperma, ele ficaria ali a flutuar em pingos leitosos grandes e gordos.
Depois disso havia mais mergulho, para apanhar o esperma todo. Para o apanhar e limpar cada mão cheia numa toalha. É por isso que é chamado Mergulho às Pérolas. Mesmo com o cloro havia a minha irmã para me preocupar. Ou, deus-todo-poderoso, a minha mãe.
Costumava ser o meu maior medo: a minha irmã adolescente e virgem, a pensar que estava só a engordar e depois dar à luz um bebe atrasado com duas cabeças. Ambas as cabeças iguais a mim. Eu, o pai E o tio.
No fim de contas nunca é o que te preocupa que te lixa.
A melhor parte do Mergulho às Pérolas era a entrada do filtro da piscina e a bomba de circulação de água. A melhor parte era ficar nu e sentar-me lá.
Como os franceses diriam: Quem não gosta de ter os seus rabos sugados?
Mesmo assim, num minuto és um miúdo a esgalhar uma no outro nunca mais serás um advogado.
Num minuto, estou sentado no fundo da piscina e o céu está ondulado, azul claro através de dois metros e meio de água acima da minha cabeça. O mundo é silencioso com excepção do bater do coração nos meus ouvidos. Os meus calções de banho com riscas amarelas estão amarrados ao meu pescoço por segurança em caso de que um amigo, um vizinho, quem quer que seja apareça a perguntar porque é que faltei ao treino de futebol. A sucção contínua da entrada de água do filtro da piscina agita-se e eu ajusto o meu cu pálido e escanzelado à volta dessa sensação.
Num minuto, eu tenho ar que chegue e a minha pila na mão. Os meus pais estão a trabalhar e a minha irmã tem ballet. Ninguém é suposto chegar num espaço de horas.
A minha mão leva-me quase até ao fim e eu paro. Nado até cima para voltar a inspirar. Mergulho e acomodo-me no fundo.
Faço isto outra e outra vez.
Deve ser por isto que as miúdas se querem sentar na tua cara. A sucção é como dar uma cagadela que nunca acaba. A minha pila está dura e o meu cu a ser sugado, não preciso de ar. O bater do meu coração nos ouvidos, fico debaixo de água até estrelas brilhantes de luz se formem à volta dos meus olhos. As minhas pernas esticadas, a parte de trás de cada joelho assentes no fundo da piscina. Os meus dedos dos pés estão a ficar azuis, os dedos dos pés e das mãos enrugados de estarem na água há tanto tempo.
E então deixo que aconteça. Os pingos brancos começam a jorrar. As pérolas.
É nesse momento que preciso de algum ar. Mas quando me tento impulsionar usando o fundo da piscina, não consigo. Não consigo por os meus pés debaixo de mim. O meu cu está preso.
Os paramédicos dizem que todos os anos 150 pessoas ficam presas desta forma, sugadas pela bomba de circulação de água. Deixa que o teu cabelo comprido se prenda, ou o teu rabo e vais-te afogar. Todos os anos acontece a montes de pessoas. A maioria na Florida.
As pessoas simplesmente não falam disso. Nem mesmo os franceses falam acerca de TUDO.
Levanto um joelho, aninhando um pé debaixo de mim, fico meio levantado quando sinto um puxão no meu rabo. Metendo o outro pé debaixo de mim impulsiono-me na direcção do topo. Estou a mexer as pernas, não toco no chão mas também não estou a ficar mais perto do ar.
Ainda a pontapear a água, dando grandes braçadas com os dois braços, estou talvez a meio da viagem mas não vou mais longe. O bater do coração dentro da minha cabeça fica mais rápido e soa mais alto.As faíscas brilhantes de luz cruzam os meus olhos, eu olho para trás… mas não faz qualquer sentido. Uma corda grossa, uma espécie de cobra, branco azulada com veias entrelaçadas, surgiu do cano do filtro e agarrou-se ao meu rabo. Algumas das veias estão a verter sangue, sangue vermelho que debaixo de água parece preto e surge de pequenos cortes na superfície da pele pálida da cobra. O sangue desaparece dentro de água e no interior da pele fina branco azulada conseguem-se ver altos de restos de refeições por digerir.
É a única forma em que isto faz sentido. Um monstro marinho horrível, uma serpente marinha, algo que nunca viu a luz do dia, esteve-se a esconder no fundo escuro do filtro da piscina, à espera para me comer.
Então… Eu pontapeio-a toda ela feita de pele fina, elástica, escorregadia e cheia de veias. E parece que mais um pouco deste animal se solta do fundo da piscina. Deve ter mais ou menos o tamanho da minha perna mas mesmo assim está bem apertado no meu rabo. Com outro pontapé fico a um centímetro do ar fresco. Ainda a sentir a cobra apertada no meu rabo, estou um centímetro mais perto da liberdade.
Apertado dentro da cobra podes ver milho e amendoins. Consegues ver uma grande bola laranja brilhante. É o tipo de vitamina em dose cavalar que o meu pai me obriga a tomar para me ajudar a ganhar peso. Para conseguir um bolsa de estudos de futebol. Com ferro e ácidos gordos ómega-3.
É ver essa pastilha que me salva a vida.
Não é uma cobra. É o meu intestino grosso, o meu cólon arrancado de mim. O que os médicos chamam de “protuberante”. São as minhas tripas que foram sugadas para dentro do cano.
Os paramédicos dir-te-ão que a bomba de uma piscina puxa 300 litros de água por minuto. São mais ou menos 40 quilos de pressão. O grande problema é que estamos todos ligados por dentro. O teu rabo é só o fim longínquo da tua boca. Se eu me deixar ir a bomba continua a funcionar e puxa as minhas entranhas até chegar à minha língua. Imagina expulsar um cagalhão com 40 quilos e aí vês como isto consegue mesmo virar-te do avesso.
O que te posso dizer é que as tuas tripas não sentem muitas dores. Não da forma como a vossa pele sente dor. À matéria que digeres os médicos chamam de matéria fecal. Mais acima esta o quimo, bolsinhas de uma porcaria fina com pedaços de milho e amendoins e ervilhas.
Esta sopa de sangue e milho, merda e esperma e amendoins, flutuando à minha volta. Mesmo com as minhas tripas fora do meu rabo, eu agarrando o que ainda resta delas, mesmo aí só penso em voltar a vestir os calções de novo.
Deus me livre de os meus pais me verem a pila.
Uma das minhas mãos está em punho fechado à saída do meu rabo, a minha outra mão agarra nos meus calções de banho de riscas amarelas e tiro-os do meu pescoço. Mas ainda é impossível vesti-los.
Se queres sentir os teus intestinos compra uma caixa de preservativos de pele de carneiro. Tira um do pacote e desenrola-o. Enche-o de manteiga de amendoim. Espalha lubrificante e segura-o debaixo de água. Agora tenta rasgá-lo. Tenta parti-lo ao meio. É demasiado resistente e elástico. É tão viscoso que não o consegues agarrar.
Um preservativo de pele de carneiro, não passa de intestino velho.
Agora consegues ver contra o que estou a lutar.
Largas por um segundo e és estripado.
Nadas até à superfície, para respirar, e és estripado.
Não nadas e afogas-te.
É uma escolha entre morrer neste momento ou daqui a um momento.
O que os meus pais vão encontrar depois do trabalho é este grande feto nu, enrolado em si próprio. Flutuando na água enevoada da sua piscina nas traseiras. Agarrado ao fundo por uma corda grossa de veias e tripas torcidas. O oposto de um miúdo que se enforcou enquanto se masturbava. Este é o bebé que ele trouxeram para casa do hospital há treze anos atrás. Aqui está o miúdo que eles esperavam conseguir uma bolsa de estudos de desporto para tirar um mestrado. Que tomaria conta deles na sua velhice. Aqui estão todos os seus sonhos e esperanças. A flutuar aqui, nu e morto. À sua volta grandes pérolas leitosas de esperma desperdiçado.
Ou isso ou os meus pais encontram-se enrolados numa toalha ensanguentada, caído a meio da piscina e do telefone da cozinha, um pedaço esfarrapado das minhas tripas ainda a sair da perna dos meus calções às riscas amarelas.
O que nem sequer os franceses falam.
Aquele irmão marinheiro mais velho ensinou-nos outra frase fixe.
Uma frase russa. A forma como nós dizemos “ preciso tanto disso como de um olho do cu na cabeça”, os russos dizem “ preciso tanto disso como de dentes no meu olho do cu.”
Mnye etoh nadoh kahk zoobee v zadnetze.
Aquelas historias que ouvimos acerca de animais apanhados numa armadilha e que roem a própria pata para se libertarem, bem, qualquer coiote te dirá que isso é bem melhor do que estar morto.
Porra… mesmo que sejas russo, um dia podes vir a precisar desses dentes.
O que tens de fazer é virar-te. Enganchar o antebraço por detrás do teu joelho e puxar essa perna até à tua cara. Tu mordes e agarras o teu próprio rabo. Ficas sem ar e mastigas através seja do que for para conseguires respirar.
Não é uma coisa que tu queiras dizer a uma rapariga na vossa primeira saída. Não se esperas um beijo de boa noite.
Se eu vos dissesse ao que sabia vocês nunca mais comeriam lulas.
É difícil de dizer o que enojou mais os meus pais: se a forma como me meti em problemas ou a forma como me salvei. Depois do hospital a minha mãe disse, “tu não sabias o que estavas a fazer, querido. Estavas em choque”. E aprendeu a cozinhar ovos escalfados.
Todas aquelas pessoas enojadas ou com pena de mim….
Preciso disso como de dentes no meu olho do cu.
Hoje em dia as pessoas dizem-me sempre que estou magro demais. Pessoas em jantares festivos ficam muito caladas e chateadas quando eu não toco no cozido que cozinharam. Os cozidos matam-me. Presunto assado. Qualquer coisa que passe mais de um par de horas nas minhas entranhas sai ainda comida. Com o feijão verde cozinhado em casa ou pedaços maiores de atum levanto-me e os encontro intocados na sanita.
Depois de terem feito uma remição intestinal radical não digerem a carne por aí além. A maior parte das pessoas tem um metro e meio de intestino grosso. Eu já tenho muita sorte em ter os meus 15 centímetros. Afinal, nunca tive uma bolsa de estudos de desporto. Nunca tirei um mestrado. Ambos os meus amigos, o miúdo da cera e o da cenoura, eles cresceram, ficaram grandes, mas eu nunca engordei um quilo mais do que pesava naquele dia quando tinha 13 anos.
Outro grande problema foi que os meus pais pagaram muito dinheiro pela piscina. No final o meu pai disse ao gajo da limpeza de piscinas que foi um cão a fazer aquilo. O cão da nossa família caiu lá dentro e afogou-se. O corpo foi puxado pelo filtro. Mesmo quando o gajo abriu a caixa do filtro e descobriu um tubo viscoso, um pedaço de intestino escorregadio com uma grande patilha laranja lá dentro, mesmo aí, o meu pai simplesmente disse, “Aquele cão era um maluco do caralho”.
Mesmo da janela do meu quarto, no segundo andar, conseguia ouvir o meu velho a dizer “Não podíamos deixar aquele cão sozinho durante um segundo…”
Nessa altura o período da minha irmã não veio.
Mesmo depois de eles mudarem a água da piscina, depois de venderem a casa e nos termos mudado para outro estado, depois de a minha irmã abortar, mesmo aí os meus pais não mencionaram nada outra vez.
Nunca
É esta a cenoura invisível da minha família.
Agora podes inspirar bem fundo.
É que eu ainda não consegui."

Por Chuck Palahniuk

Um comentário:

capitaotimor disse...

E pôr o video de pessoas a desmaiar enquanto o conto é lido? Um pouco da good old ultraviolence.