sexta-feira, 4 de abril de 2008

A Divina Comédia

Em primeiro lugar saudar o cineasta que lá para o fim do ano completa um século de existência e que tem trabalhado à velocidade de um filme por ano mas sem qualquer pressa, como se viu em 2006 quando estreou um filme homenagem a Buñuel de seu nome Belle Toujours. Em segundo lugar, quero apenas referir que este texto já é antigo, e peço, por isso, desculpas a quem já o conhece, mas é um rápido contributo para o blog. O filme de que vos falo tem 17 anos e foi feito 6 anos depois do Sr. De Oliveira receber o prémio carreira em Veneza. Este, “A Divina Comédia”, ao contrário do que se pode pensar, não se trata de uma adaptação da obra de Dante, embora seja possível encontrar pontos de contacto, mas antes uma dissertação sobre os valores humanos, o conflito entre o Bem e o Mal, a fé, o pecado, a punição, o arrependimento, a luxúria e o amor, em plena casa de alienados. As personagens cruzam-se ao longo da narrativa e vivem as suas alucinações/obsessões sendo que todas elas são personagens bíblicas ou romanescas. A encabeçar o elenco deste manicómio literário, Miguel Guilherme e Maria de Medeiros interpretam Raskólnikov e Sónia (personagens de Crime e Castigo de Dostoiévski), Luís Miguel Cintra é o Profeta da Salvação do Mundo e Mário Viegas encarna (ou então é ele) o Filósofo do Anti-Cristo. Para além destes, a “comédia” conta ainda com Jesus Cristo, Lázaro, Adão, Eva e os Irmãos Karamazov entre outros, com destaque para Maria João Pires que interpreta a bíblica Marta e acompanha muito bem a narrativa ao piano. O filme expõe o antagonismo óbvio entre as crenças religiosas do cristianismo e a incredulidade religiosa e social do niilismo e do ateísmo (a que o realizador chamou de “reflexão histórica”), com base em textos da Bíblia, Dostoiévski, José Régio e Nietzsche. Filmado à “velocidade” a que nos habituou… a contemplativa, o mestre português cria uma obra insólita que dá azo a várias interpretações e conclusões. Queria só acrescentar que apesar de já sentir uma certa simpatia pela Leonor Silveira, pareceu-me aqui muito bem a oferecer a maçã ao Adão. Nota - 8/10.

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